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Posts Tagged ‘velhos tempos’

A mesma história narrada em 1ª e 3ª pessoas:

Velhos Tempos (3ª pessoa)

O terno azul marinho caía perfeitamente bem nos ombros daquele homem e o cabelo mal penteado prendia o olhar daquela garota. Ela sempre odiou estar apaixonada. Eram sempre os mesmos homens. Velhos.

Seus 40 e tantos anos, quase 50, eram incrivelmente atraentes. Ela não conseguia parar de observá-lo. De segunda a sexta, sempre das 17h às 18h30, ele era completamente seu. Era a única pessoa que a escutava e entendia seus pensamentos.

Foi então, naquela monótona quinta-feira, perto das 18h26, que ela, não sabendo conter as palavras dentro de sua boca, falou: “Não consigo parar de pensar em você”. Houve uma pausa. Imediatamente, o olhar daquele homem, antes em suas anotações, correu direto para os olhos daquela linda e inocente garota de 18 anos. “Perdão?”, disse o homem, agora parecendo um tanto desconfortável e agitado. “Me desculpe, não sei por que falei isso. Nos vemos amanhã, no mesmo horário, certo?” Ele logo se recompôs e, mais uma vez, em um calmo tom de voz, disse: “Claro, mas tem certeza que não gostaria de concluir o que acabou de dizer?” A garota apenas sorriu e saiu pela porta, que dizia “Dr. Lekman, Psicólogo”.

No dia seguinte, exatamente às 17h, estavam os dois na mesma sala, um de frente para o outro. Tentou fitar os olhos do doutor, que agora estavam por trás das lentes dos óculos de armação fina e preta que o deixou ainda mais bonito. A garota tornou a desviar o olhar. “Podemos começar por onde paramos ontem, o que acha?”, arriscou o doutor. “Melhor não, na verdade, me sinto bem envergonhada por ter expressado aquilo”.

Desta vez, porém, o doutor, sempre muito profissional, não sabia como agir. A verdade é que aquela jovem de cabelos pretos e pele clara o atraia de uma forma que ele já não mais sabia controlar desde a última tarde, quando percebeu os sentimentos da garota. Sentia vontade de beijá-la, de tê-la em seus braços, mas isso era inadmissível. Além de sua paciente, ela era tão jovem, tão inocente.

“Acho que você deveria se consultar com outro terapeuta, Clara. Me desculpe”. Desta vez, sua voz falhava um pouco. A garota tentou disfarçar um soluço. “Sim, provavelmente é o melhor a fazer. Então acho que é isso. Obrigada por tudo”, desabafou a menina, ficando de pé para se retirar do consultório. Quando ia chegando à porta, o doutor a chamou: “Clara”. Ela virou e olhou-o nos olhos. “Me desculpe”. A garota deu um leve sorriso e, mais uma vez, falou: “Obrigada por tudo”. E foi embora.

Velhos Tempos (1ª pessoa)

Aposto como ele tem uns 45 anos. Aquele homem charmoso e inteligente nunca olharia pra uma garota de 18 anos como eu. Odeio me sentir assim, vulnerável. Ontem passei o dia pensando no que deveria falar na próxima vez em que nos encontrássemos.  Eu podia contar a verdade, dizer que meus dias têm sido monótonos e tristes. Mas sabia que isso não era interessante. Ou, então, devia dizer que a única coisa que me anima é poder vê-lo de segunda a sexta, sempre às 17h.

Devo ser uma idiota. Como fui me apaixonar pela única pessoa que não deveria? É sempre assim. São sempre os mesmos. Velhos, comprometidos, distraídos, impossíveis. Se eu, pelo menos, fosse bonita o suficiente para chamar sua atenção. Ele é a única pessoa que me escuta e me entende. Eu sei que ele me entende.

Acabei de olhar no relógio. Já são 18h26. Meu tempo está acabando e tenho que ir embora às 18h30. Preciso tirar esse peso de dentro de mim. Não consigo parar de pensar na reação dele ao saber que estou apaixonada. Apaixonada por ele. Não posso evitar pensar em dizer: “Dr. Lekman, não consigo parar de pensar em você”. Não consigo.

De repente as palavras fugiram dos meus pensamentos e passaram direto por meus lábios. “Não consigo parar de pensar em você”, falei. Seu nome não saiu na frase. Tinha vergonha até de pronunciá-lo. Por um segundo pensei que ele não tivesse ouvido, mas logo aqueles lindos olhos castanhos me encararam. Sua voz rouca e charmosa quebrou o silêncio. “Perdão?” Tratei de inventar uma desculpa qualquer para sair depressa do consultório. Não agüentaria ouvi-lo dizer o quão ridículo era eu ter me apaixonado por ele.

No dia seguinte, estávamos mais uma vez um de frente para o outro. O sofá em que eu estava sentada, desta vez, parecia mais duro que nos outros dias. Não conseguia olhá-lo nos olhos. Agora ele sabia. O que será que estava pensando? Tentei fitar seu rosto, mas logo desviei o olhar.

“Podemos começar por onde paramos ontem, o que acha?”, ouvi sua voz. Meu rosto estava ficando quente, tenho certeza que minhas bochechas agora estavam vermelhas. Eu não queria conversar sobre aquilo. Talvez fosse melhor, simplesmente, deixar de lado aquela revelação. Mas, logo após eu ter dispensado seu convite, ele disse: “Acho que você deveria se consultar com outro terapeuta, Clara. Me desculpe”.

Pela primeira vez, percebi uma falha em sua voz. Claro que suas palavras me pegaram de surpresa, mas, de alguma forma, eu sabia que aquilo era o certo a fazer. Não precisei de muito tempo para reagir. Ele era um excelente doutor e, acima de tudo, me ajudou a passar por terríveis momentos da minha vida. Eu só tinha palavras para agradecê-lo.  Me levantei e fui até a porta. Quando estava quase saindo, ouvi, pelo que seria a última vez, aquela bela voz me chamar: “Clara”. Virei e olhei-o nos olhos. Ele apenas disse: “Me desculpe”. Não pude sentir nada além de um estranho alívio em meu peito. Dei um leve sorriso e, mais sincera do que nunca, falei: “Obrigada por tudo”. E fui embora.

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